Uma nota muito positiva para esta passagem acanhada, acompanhada in situ por uma nota explicativa.
Datado, provavelmente, de Época Moderna (sécs. XV-XVI), o Boeirinho é o único postigo existente na fortificação de Trancoso. Trata-se de uma pequena e estreita abertura de arco pleno, pela qual passa somente uma pessoa de cada vez, possibilitando, deste modo, a entrada controlada de pessoas na vila sempre que as portas da cerca estavam fechadas. Ainda em 1732, ao toque do sino então localizado na Casa da Câmara, as portas da vila eram encerradas e vigiadas por guardas, sendo por este postigo que entravam, depois de Identificados, os que se encontravam fora de muros. Este tipo de vigilância era possível porque, na altura e até meados do séc. XIX, Trancoso permanecia ainda confinado ao Interior das muralhas medievais. Em 1916, a Câmara propôs ao Ministério da Justiça a demolição deste singular postigo, ao que se opuseram alguns populares. Esta é a última notícia de um longo período, Iniciado nos meados do séc. XIX, em que se operaram grandes transformações no urbanismo da vila. Decorrentes da devastação causada pela invasão Francesa (1810), dos intentos de modernização da vila e da incúria de muitos dos seus habitantes, estas alterações traduziram-se também no desmantelamento de parte do sistema defensivo. Procedeu-se, então, à abertura de vários rasgos nas muralhas para melhorar as acessibilidades, como é o caso das Portas Novas, abertas em 1843 para facilitar o acesso às Sortes situadas no Campo, e da abertura existente no Boqueirão, para que as crianças chegassem mais depressa à escola. Também para melhorar os acessos, em 1902, a Porta de S. João e respectiva torre foram demolidas com toda a popa e circunstância, na presença da Vereação da Câmara e de diversas autoridades. Parte da muralha e as sete torres hoje inexistentes foram também demolidas neste período, para utilização da pedra em construções públicas e privadas.
Duas coisas que a Lídia não gosta: percorrer muralhas, porque tem vertigens, e andar em cima de certos pavimentos que considera poderem vir a cair. Fizemos o pleno:
É aliás requisito para qualquer aldeia que se intitule de histórica oferecer a possibilidade de trambolhão e queda aparatosa.
Agora vem a parte do post em que me julgo arquivista da Direção Geral do Património e me ponho a organizar a secção de fotografia. Estas duas fotografias ilustram o castelo antes e depois da intervenção da DGEMN:
Não parece das mais drásticas, mas há vários aspetos a considerar. Para já, porquê subir três fiadas de pedra à muralha? Tinha lá as ameias no sítio e tudo... Seriam as ameias uma reconstrução anterior?
Do lado esquerdo aparece a capela-mor da desaparecida Capela de Santa Bárbara, que sofreu um restauro hesitante:
Depois desta fase, foi decidido que havia pedra a mais e foram tiradas as superiores, como se pode ver pela vista geral e por esta atual, tirada por mim (agora estou somente preocupado em meter fotos que ilustrem a evolução do espaço, no entanto quando estou a passear, e porque não conheço de antemão os arquivos da DGEMN, apenas estou a pensar em tirar boas fotografias, razão pela qual agora me remeto quase em exclusivo à DGEMN, tirando quando apanho perspetivas mais bonitas como a da próxima foto).
Qual o critério para a reconstrução da ruína? Que não sobrassem dúvidas aos visitantes que não havia nada de artificial nesta ruína? Que seguia as leis da gravidade e a erosão dos séculos e numa ruína naturalmente perfeita não há lugar para paredes intactas a partir de certa cota? Será que a criação de ruínas é uma ciência exata que tem de ser respeitada pedra por pedra?
O vasto terreiro, hoje vazio, devia conter edificações que a documentação medieval menciona. Sobre a utilização moderna deste castelo, sabemos que a principal tentativa de lhe dar nova função ocorreu nos finais do século XVIII, culminando em 1796 na construção de um depósito de munições [...] na antiga alcáçova, que felizmente nunca chegou a funcionar, vindo a ser demolido (Gomes, 1996) [fonte]
No entanto a DGEMN achou que por ser um castelo não havia lugar para este edifício mas sim para uma torre:
Para começar, mais três fiadas de pedra:
Depois, mandar abaixo e fazer outra vez, mas agora com aparência medieval:
Para quê se levantarem paredes de novo e deixarem os topos por rematar? Não sou só eu com estas dúvidas, como podemos ver pela evolução da obra vista do lado de dentro:
Mas depois não, houve a necessidade veemente de subir a altura da parede. Que se passou, sobrou pedra?
[...] a notável Torre Moçárabe do castelo de Trancoso, testemunho único em Portugal [...] que se conservou ao longo dos anos, tendo sido mais tarde incorporada dentro do perímetro do castelo românico, do séc. XII-XIII, onde passou a desempenhar as funções de Torre de Menagem. No entanto, trata-se de uma construção muito anterior ao séc. XII, como bem denuncia o seu perfil tronco-cónico, a sua porta em arco ultrapassado e o seu aparelho de construção [...] tudo pormenores que nos remetem para a técnica de construção pré-românica. De resto, no séc. X o castelo ainda ignorava a Torre de Menagem. (Barroca, 2000) [fonte]
Esta torre sobreviveu à intervenção de 1942, mas por algum motivo em 1968 achou-se por bem desmontá-la e montá-la de novo:
Era possível percorrer o adarve, comtemplar a paisagem e mesmo deambular pelo recinto, mas conhecer o interior da Torre de Menagem, por exemplo, era uma experiência impossível devido à altura a que se encontra a porta de entrada. Ficava-se então apenas pela contemplação do seu exterior.
Coitado do arquiteto, tem de construir uma escada para dar acesso à torre. De certeza, que com a humildade típica dos arquitetos, e de Gonçalo Byrne em particular, a estrutura a construir será o mais subtil possível, apenas focada na sua necessidade enquanto acesso:
Esta é a grande mais valia deste projeto, conseguir implementar sobre uma pré- existência repleta de história e memória, uma estrutura contemporânea composta por oito corpos arquitectónicos, que passa quase despercebida e se confunde com toda a atmosfera primitiva. Inclusivamente os corpos mais relevantes e imponentes conseguiram manter essa linguagem, sóbria e quase transparente, por mérito do arquiteto que conseguiu conciliar a implantação dos novos corpos, a sua fisionomia e materialidade com a estrutura pré-existente. [fonte]
Falta ainda apresentar a cereja no topo do bolo: o "miradouro virtual" na torre de menagem, a razão de existir de toda a estrutura que foi construída dentro da velha torre.
[fonte]
À chegada, somos informados que este supra-sumo do restauro no século XXI avariou pouco depois da inauguração. Provavelmente, as verbas disponíveis para esta obra não incluiam a manutenção dos equipamentos. Consola-nos saber que apesar da parvoíce caducar, o castelo remanesce.
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