sábado, 28 de maio de 2016

Quinta da Moita Longa, Lourinhã

Participei numa caminhada dos Trilhos do Mar que passou na Quinta da Moita Longa, na Lourinhã.


Sede do Morgadio instituído pelo inquisidor João Delgado Figueira, (1585 – 1655) é uma construção de raízes quinhentistas, constituída pelas casas nobres, capela e jardins.
A capela dá para o pátio de entrada, de fachada de empena de bico, toda revestida de azulejos de figura avulsa, onde se vê no tímpano e sob o óculo, um painel com a Ascensão de Cristo e a data de 1696. [fonte]


Não visitei o interior, que também tem bastante interesse:
Aconteceu que há cinquenta anos atrás o meu avô estava a preparar a capela para o casamento de uma tia minha, quando uma empregada caiu de um escadote enquanto estava a limpar a dita parede e o cotovelo atravessou a divisória falsa que separava a capela-mor do corpo da ca­pela.
Tal foi o espanto quando através do buraco viram o ouro do altar a brilhar. [fonte]

O altar de talha dourada da capela tinha sido tapado devido às invasões francesas. Hoje em dia a quinta é usada para eventos e turismo rural:


É um local muito bonito, e o post ficava por aqui, não fosse o trabalho de António Luís Botto e Sousa Quintans (é só uma pessoa), cuja família é proprietária da quinta. Encontrei dois textos com 12 anos de diferença onde reinvindica origem romana para este local. Seguem-se passagens do mais recente, ao qual o autor se preocupou em dar um aspeto mais científico:

Muito se tem dito e escrito acerca da origem do topónimo Lourinhã.
[...]
Lauriana é a junção do substantivo lauro ao sufixo ana, que indicia procedência. 
[...]
Assim sendo, Lauriana traduz-se em "terra de Lauro", tal como Cíceroiana se traduz em “terra de Cícero”.
[...]
No tempo de Marco Aurélio, imperador de Roma que viveu entre 121 -180 d.C., existiam na Lusitânia duas localidades, que pela sua situação geo-estratégica, assumiam lugar de relevo: o porto de mar da Atouguia, que mais tarde, no inicio da Nacionalidade, viria a ser oferecido por D. Afonso Henriques à Ordem dos Templários – onde a partir daqui faziam a ligação marítima entre a Europa e a Terra Santa (Anais do Convento de Cristo, Tomar) –, e, a civita (cidade) de Eburobrittium, recentemente descoberta junto a Óbidos.

Segundo o Prof. Jorge de Alarcão[2] , Eburobrittium era governada por catorze senadores, entre os quais Caio Julio Lauro, que teria a sua villa em local perto de Miragaia (Lourinhã), que tudo indica ser a Quinta da Moita Longa. 
[...] 
A sua pedra tumular foi reutilizada e colocada numa das esquinas exteriores do altar da igreja de São Lourenço dos Francos, em Miragaia, uma povoação que fica próxima da Moita Longa (3 km).

É [na Quinta da Moita Longa] que vamos encontrar os tão almejados vestígios de uma villa romana: a muralha com 120 metros de comprimento que cerca um dos lados dos jardins; os dois tanques situados em dois planos diferentes – um com o dobro das dimensões do outro –, característica tão peculiar da arquitectura romana; as lajes à volta dos tanques, feitas à base de óxidos de ferro e recobertas de engobe vermelho não vitrificado; um marco feito com os mesmos materiais cuja marca do oleiro é a letra "v", que toponómicamente significa villa; as pedras calcinadas das antigas termas (a água em contacto com as pedras calcinadas, lança vapor); e os arcos de pedra de volta perfeita descobertos na mata de loureiros que cerca o outro lado dos jardins (o loureiro era a árvore que os Romanos consagravam a Apolo, deus do Sol). 
[fonte]

Em 2003 o autor ainda não tinha tropeçado nos arcos de pedra de volta perfeita, por isso rematava assim:

[...] por fim, o Arco da Quinta da Moita Longa, onde não poderia faltar uma magnífica representação do Sol e que serviu como inspiração a tantos poetas e escritores que por aqui passaram. Relembro por exemplo Gil Vicente, quando ao escrever o "Tempo de Apolo", a dado passo diz que o Sol nasceu na Lourinhã. [fonte]

Arcos de pedra perfeita, arcos com representações do Sol - não restam dúvidas quanto ao romano que tudo isto é. O que chamou mais a atenção foi no entanto a "muralha". Está repleta de nichos, o que lhe dá um ar bastante pitoresco:


No entanto, observando em pormenor, verificamos que a construção destes nichos recorre a materiais mais sofisticados:


Há outra razão para o muro não ser romano - está no meio de uma encosta. Admitem-se muros romanos em planícies (por exemplo em Conímbriga), não os consigo imaginar a sobreviver a um milénio de abandono no meio de uma encosta sem serem subterrados.

O post já vai longo, mas o autor faz questão de nos informar que é a Quinta da Moita Longa "o aparente local onde Camões se inspirou para escrever a Ilha dos Amores" e que nela existe uma cripta onde está escondido o tesouro dos Templários. Muito mais consta no livro que o proprietário escreveu sobre a história da quinta com o humilde nome "Quinto Império - Testemunhos de uma história verídica". Segundo o Jornal de Mafra, correu assim a apresentação do livro na Ericeira:


Na verdade houve ontem à noite, na Ericeira, um acontecimento surpreendente, ou uma sucessão deles, protagonizados não pelo autor da obra, que ficou secundarizado, ensombrado (para utilizar uma imagem consentânea com o tema da obra) pela pessoa que foi escolhida (não chegou a ficar claro, por quem) para apresentar o livro. Manuel Gandra. [...]
Apresenta o livro classificando-o expressamente, de ingénuo e anacrónico. Confessamos que já assistimos a muitas apresentações públicas de livros, apresentações protagonizadas por pessoas muito diferentes, mas nunca tínhamos assistido, como ontem, a alguém que foi convidado para apresentar um livro, com o autor ao lado, ter-se referido à obra como sendo ingénua e anacrónica. Mais valia que o bom senso tivesse prevalecido, o ego se tivesse amainado, e que a obra pudesse ser apresentada por alguém que a apreciasse ou então que se deixasse essa tarefa exclusivamente ao autor. O que se passou ontem à noite foi, no mínimo, muito deselegante. 

Quem não ler o livro só pode imaginar os longos serões dos hóspedes da Quinta da Moita Longa a ouvir as muitas histórias que o seu dono tem para contar.

Atualização: Em toda a sua glória, o vídeo! Isto é fantástico:



4 comentários:

  1. Meu caro amigo: a foto que apresenta da muralha romana, reporta a um espaço que caiu e foi restaurado nos anos 70 do séc. XX. Relativamente ao Jornal de Mafra, lembro-lhe que só se deve falar com conhecimento de causa. Admito todas as críticas e agradeço. Acontece que ninguém desse jornal falou comigo, mau jornalismo, ao contrário de tantos órgãos de comunicação social, entre os quais o Expresso.

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    1. Obrigado pelo seu comentário, Sr. António. Eu fiquei fascinado com a história à volta da quinta, pois eu também tento sempre fazer o máximo de associações possíveis entre diferentes contextos. Na maioria falho, mas quando acerto acho que dei um bom contributo para a história local (e talvez compense as vezes em que me estiquei de mais...)

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  2. "Lembraste-me agora de um tempo antigo, embora para mim pareça que foi ontem: há na Lourinhã uma quinta milenar, a quinta da Moita Longa, a uns 2 quilómetros da casa dos meus pais, no Casal Caldeira. A quinta deve ter tido origem durante a ocupação romana, como atestam o bosque de loureiros e a muralha romana. Um tal cônsul romano de nome Laurus por lá terá construído a sua villa e terá também dado o seu nome à Lourinhã. No limite da quinta, e num vale cavado corre o rio Toxofal, um ribeiro que esconde umas ruínas interessantes, hoje ignoradas por toda a gente: um tanque enorme de pedra encimado por uma fontainha onde nos abasteciamos de água fresca,um segundo tanque mais pequeno e mais baixo, um poço açoreado cheio de lodo, muitos choupos, e juncos, muitos juncos. Era aí que o meu pai e o meu tio Armando iam todos os anos apanhar os ditos juncos por alturas de Agosto. Mais tarde esse junco seria usado na empa das vinhas. É esse tempo que agora recordo, os homens a arrancar junco dos charcos, a atirar os os molhos de junco contra o ripanço, engenho constituído por uma tábua com um pente com dentes de aço virados para cima em plano inclinado, suportado por um cavalete, e que servia para limpar o junco de ervas e das folhas do junco. Lembro as mulheres sentadas à sombra fresca do choupal a escolher as melhores plantas, o junco espalhado em leques de verde pelo chão plano de um espaço que já teria sido pátio de uma casa, e as crianças - onde me incluía - a brincar no ribeiro e nos charcos, a apanhar peixinhos e cobrinhas de água, ou enguias que os adultos fritavam para o almoço. Posso fechar os olhos e retomar a esse tempo feliz. Sinto o cheiro da terra quente e húmida, fértil como só a terra rica em água e húmus consegue ser. Vale pequeno e esquecido, hoje totalmente perdido entre canas e silvados. Vestígios de um tempo menos antigo, (só tem 9 séculos), em que os monges e engenheiros da ordem de Cister secaram aquelas terras pantanosas, e onde restam hoje os vestígios de pedra desse esforço que fez recuar o mar mais de uma dezena de quilómetros, até à Areia Branca. Para mim ficou o tempo feliz da infância breve. Ainda hoje, quando passo por um jardim que esteja a ser regado, ou onde a relva esteja a ser aparada, retorno de imediato ao tempo da terra quente a cheirar a seiva fresca, aos risos felizes de crianças e adultos, à vida que então corria doce e despreocupada".
    Em memória de todos os Caldeiras e Quintans que emprestaram vida a este pedaço de terra e de História, honra e respeito pela amizade que sempre os uniu e que a nossa geração hoje mantém intacta. Abraço fraterno aos ilustres amigos da família Quintans do Sérgio Caldeira, filho do João Caldeira e da Maria do Carmo. Saudações também ao criador deste blog e deste interessantíssimo post.

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    1. Obrigado. Tenho de reconhecer que há muito para explorar neste sítio, a minha análise foi demasiado redutora.

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