Existe uma abrangente tese de mestrado sobre esta instituição, da autoria de Ana Rita Rocha, que vou passar a citar:
Esta instituição, tal como as suas congéneres, foi criada com o objectivo específico de acolher os doentes que padeciam de lepra. Por um lado, afastavam-se os leprosos da sociedade sã, de modo a evitar o contágio. Por outro, com o enquadramento institucional dos gafos, como também eram conhecidas as vítimas de lepra, eram lhes fornecidos os bens essenciais à sua sobrevivência. A Gafaria de Coimbra prestava assistência, igualmente, a indivíduos sãos, por comparação aos leprosos, que, pelo avançar da idade ou devido a uma doença debilitadora, necessitavam de auxílio económico, procurando-o junto de casas destinadas a esse fim.
Relativamente à arquitectura das leprosarias, estas instituições estavam
munidas de todas, ou quase todas, as dependências necessárias à sua auto-suficiência,
permitindo aos seus habitantes nelas permanecer o maior tempo possível, sem
necessidade de se deslocar aos aglomerados.
Deste modo, numa grande parte de leprosarias existiam jardins, hortas e pomares,
onde se colhiam os legumes e frutas utilizados na sua dieta. Além disso, o poço era
um dos elementos essenciais numa gafaria, já que os leprosos não se deviam
aproximar das fontes e nascentes para não contaminarem as águas. No entanto, no
interior das leprosarias continuava a ser proibida a aproximação dos gafos a essa
estrutura. Era o que acontecia na Gafaria de Coimbra, em cujo Regimento, datado de
1329, estava estipulada uma multa de 5 soldos em caso de “alguum gafo chegar ao
poço”, mantendo-se, dentro da própria instituição, normas profilácticas.
O medo de contágio da lepra era tal que, no século XV, no Regimento de D. Afonso V, temos notícia da existência, nessa mesma gafaria, de uma cadeia destinada aos leprosos que cometessem algum delito, justificando-se mesmo a decisão afirmando que “nom he razoado que sejam levados aa prissao dos saaos”.
O medo de contágio da lepra era tal que, no século XV, no Regimento de D. Afonso V, temos notícia da existência, nessa mesma gafaria, de uma cadeia destinada aos leprosos que cometessem algum delito, justificando-se mesmo a decisão afirmando que “nom he razoado que sejam levados aa prissao dos saaos”.
No século XVI sabemos que o Hospital de S. Lázaro se situava num terreno
entre as actuais rua da Figueira da Foz e avenida Fernão de Magalhães, na chamada
azinhaga dos Lázaros, que partia da primeira em direcção ao Mondego, onde ainda
no século XX se encontravam as ruínas do edifício. A localização quinhentista da
Gafaria é confirmada pela existência de vestígios manuelinos, descritos por autores
que visitaram o local, na centúria passada.
O primeiro indício de alteração do local de implantação da Gafaria de que temos conhecimento é a autorização dada por D. Afonso V, em Fevereiro de 1452, aos oficiais, lázaros e raçoeiros sãos para nomearem dois homens bons responsáveis por pedir esmolas pelo reino, com o objectivo de transferir o hospital para um terreno, que lhe pertencia, mais acima do lugar onde se encontrava, junto ao rio. A decisão do monarca surgiu na sequência de um pedido dos membros da gafaria, uma vez que as cheias anuais do rio tornavam a leprosaria inacessível e causavam demasiados danos materiais, colocando em risco a sobrevivência dos seus habitantes. Pelas referências espaciais, a deslocação assinalada corresponderia à mudança de S. Lourenço, na zona do Arnado, onde existia um porto fluvial e as inundações do Mondego eram muito frequentes, para o terreno junto da actual rua da Figueira da Foz, localizado mais acima, que poderemos interpretar como norte, e um pouco mais afastado do rio. Apesar de não existir um documento que nos indique a data de mudança de localização da Gafaria, sabemos que, em 1459, esta encontrava-se já na azinhaga dos Lázaros, junto da ermida de Santa Margarida.
Como podem ter reparado pelas imagens, este local, onde se localizou o hospital desde pouco antes de 1459 até 1836, já esteve de melhor saúde. Como tudo o que é património arruinado e desprezado, tenho-o acompanhado há uns tempos. Em 2011, estava assim:
As maiores alterações decorreram em 2009 [fonte]:
Podemos comparar o local antes e depois da demolição:
Segundo um resumo do relatório de acompanhamento:
No dia 14 de Fevereiro de 2009 o Gabinete de Protecção Civil juntamente com a Câmara Municipal de Coimbra procedeu à demolição parcial do antigo edifício do Hospital dos Lázaros. Todo o entulho foi removido para o Choupal. Este trabalho consiste em realizar o acompanhamento da seriação dos materiais que compõem os entulhos, entretanto removidos para o Choupal. Este era constituído por madeiras, ferro, lixo, pedras de grande porte e cantarias. Destacaram-se as cantarias e outras pedras talhadas, que foram separadas, inventariadas e acondicionadas em armazém no estaleiro da Câmara Municipal de Coimbra a fim de, se possível serem reutilizadas posteriormente. Estavam muito fragmentadas e eram simples, sem ornamentos.
Fazer a "seriação de todos os materiais relevantes" com fim a encontrar cantarias com "ornamentos" nas ruínas de uma instituição de solidariedade social é o mesmo que procurar um parque infantil num campo de concentração.
Um hospital da idade média não passa a merecer a demolição por não ser uma obra prima da arquitetura. Elas também existem, mas não estavam ao cuidado dos leprosos e outros doentes, para os quais as gafarias eram o único auxílio.
A demolição do Hospital de S. Lázaro em Coimbra, "devido ao avançado estado de ruína", é parte da maneira como escolhemos ver a nossa história. Publicitamos os palácios e os bens luxuosos da nobreza, e passamos um pano sobre todos os quais lutaram e sofreram antes de nós. É uma perspetiva puramente comercial do património, que só interessa se tiver características que apelem ao turismo de massas, independentemente do contexto e da sua importância para a sociedade (este imóvel, por exemplo, é um antecessor dos atuais hospitais).
O pior está ainda para vir. O terreno está à venda no Olx, divido entre a zona do parque de estacionamento e por debaixo da qual estão as fundações do hospital, por 970 mil euros, e as construções atualmente visíveis, por 650 mil euros, com a descrição "Ideal para construção de prédios, serviços e habitação."
Se a demolição anterior foi iniciativa da autarquia, há razões para esperar que ela se venha a opor a qualquer ação neste espaço.
À venda no Olx? E ninguém faz nada? Mas que país é este? Tantos e tantos atentados ao património num país que pelos seus séculos de História deveria ter outro comportamento! Temos o que merecemos... será? Beijinhos, filho
ResponderEliminarIsto passa-se em Coimbra???? terra da Sabedoria????? cambada de burros
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