quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, Coimbra


Mais uma vez, vou citar um trabalho de quem está melhor informado, desta vez um artigo da autoria de Artur Côrte-Real, coordenador da intervenção arqueológica que pôs a descoberto o claustro deste monumento.

D. Isabel de Aragão decidiu fazer ressurgir o extinto Mosteiro de Dona Mór, obtendo, em 1314, autorização do papa Clemente V para a fundação de um mosteiro da Ordem de Santa Clara em Coimbra. A nova igreja do mosteiro foi concluída, possivelmente, em 1330, ano em que o bispo de Coimbra, D. Raimundo, procedeu à sua sagração. Segundo António de Vasconcelos, foi a partir desta data que se iniciou a construção do claustro principal, sendo conhecido que as obras eram já dirigidas pelo arquitecto Estêvão Domingues. 


Por esta altura teve início a dramática repercussão da escolha do local de implantação do mosteiro. Situado na margem esquerda do rio Mondego e assente, no dizer do mesmo autor, quando muito a 3 metros  acima da estiagem do Mondego, o mosteiro ficou desde logo à mercê das invasões das águas do rio. O que veio, de facto, a acontecer, inicialmente de forma cíclica mas depressa de forma progressiva e constante, em consequência do rápido processo de assoreamento do rio. 
Efectivamente, logo em 1331, a água penetrou na igreja devido a uma cheia de enormes proporções, de tal forma que chegou a cobrir o túmulo de grande lavor que D. Isabel havia mandado fazer para si e colocar na nave central da igreja. Para salvaguardar o seu mausoléu, e devido ao embaraço que este provocava no reduzido espaço público da igreja, a rainha ordenou a construção de uma capela superior, quase à altura das janelas, onde mandou colocar o seu túmulo e o de sua neta, a infanta D. Isabel. 

No século XV as inundações das áreas monásticas eram já muito frequentes. O rio ia-se assenhoreando do edifício, trazendo consigo a decadência das condições de salubridade e o aumento das doenças9 . No final do século XVI, o mosteiro estava já inabitável.

As dramáticas condições de vida no mosteiro conduziram à intervenção do bispo-conde D. Afonso de Castelo Branco que, entre 1612 e 1615, dotou a igreja de um pavimento intermédio no prolongamento da capela funerária. O bispo transformou a nova capela sepulcral com a construção de um duplo arco de cantaria destinado a albergar o túmulo de prata e cristal que havia mandado fazer para a rainha. [fonte]

Em 1666, Frei Manoel da Esperança dá conta do estado do mosteiro:

Conforme a estas plantas eraõ os mais edifícios, & oficinas da casa: todos grandes, suntuosos, & perfeitos (…) Porèm a nossa desgraça, que alterou a soberba do sobredito Mondego pera sepultar entre as suas arèas os mesmos campos, que se deixavão rasgar pêra ela ter passagem, o fez tãbem atrevido na fea destruição deste insigne mosteiro santificado por muitas servas de Deos, & mais em particular por esta S. Rainha. Corta por certo a alma ver taõ grande perdição; porque de alguas oficinas não ha mais que o seu rastro, & quasi todo desfeito pelas enchentes do rio. Outras jazem entulhadas com o lodo, sem se poder usar dellas. O claustro he hua cisterna viva, que nem no verão se seca. De maneira, que os baixos desta grandiosa machina, ou já perderão o ser, ou estão desfigurados, ou convertidos em charcos. Pelo que foi necessário levantar em muitas partes sobre as casas antigas outro mosteiro mais alto, & passar as capelas, & ermidas pêra a cabeça do claustro, onde estão coroando, a pezar deste tristíssimo pego, o monte da Santidade. A respeito destes danos, os quaes hoje são maiores, quis Elrei D. Manoel tirar d’aqui o mosteiro em virtude de hua bula do Papa Julio II; & se as Freiras então, por não saírem deste lugar tão sagrado, resistirão à mudança: agora, que se vem mais apertadas, aceitão com muito gosto, & grandes ventajens suas (…) [fonte]

A luta das Clarissas contra a água no velho mosteiro foi-se tornando insuficiente face às calamidades provocadas pelo rio. Foi no sentido de pôr fim a tão tortuosa batalha que o rei D. João IV ordenou, em 1647, a construção de um novo mosteiro no sobranceiro Monte da Esperança. Para esse novo espaço monástico foram transferidas as religiosas em 1677, vendo-se finalmente compelidas a abandonar o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, como desde então passou a ser conhecido. A igreja permaneceu ainda por algum tempo aberta ao culto, tendo posteriormente sido desactivada das suas funções religiosas, em data incerta.

Possivelmente contemporâneas da construção do piso superior, é a destruição das primitivas janelas góticas e a construção de barrocas no seu lugar, e a conversão do óculo traseiro na porta principal da igreja.


O primitivo mosteiro, que passou, a partir de então, a ser designado de Santa Clara-a-Velha, entrou num progressivo processo de destruição e abandono, tendo no século XVIII, a Câmara de Coimbra deliberado que, por razões de saúde pública, fosse demolido o remanescente das construções monásticas arruinadas. A igreja que pela sua solidez havia resistido às investidas arrasadoras das cheias, voltou a aguentar as medidas de demolição decretadas pela autarquia. [fonte]

Contrariamente à generalidade dos conventos, demolidos após a expropriação de 1834 com vista a aproveitar o seu material de construção, o convento de santa Clara-a-velha foi demolido devido às águas paradas que se encontravam no seu interior e que podiam ser fonte de doenças. Como o entulho resultante dessa demolição foi usado para soterrar o local, ainda lá permanecia quando o local começou a ser escavado em 1992, e está hoje depositado debaixo do novo edifício do museu.




Os arrendatários trataram de subdividir o espaço interior, adaptando-o a habitação e curral de animais. Em 1835 a igreja e o terreno do mosteiro passaram a ser propriedade de uma família nobre, através da compra efectuada por António Maria Osório. Foi só a partir de 1925, momento em que a igreja foi arrendada pelo Estado à família de D. Miguel de Alarcão, que se iniciaram os primeiros trabalhos de limpeza e restauro levados a cabo pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. Esta operação, realizada fundamentalmente entre 1928 e 1948, pretendeu basicamente proceder à remoção das estruturas que “mascaravam” o monumento e reconstituir todos os elementos possíveis, ou seja, restituí-lo à sua configuração primitiva e evidenciar a  sua pureza original. 

O restauro efetuado durante o Estado Novo tornou o convento numa ruína romântica, visto ter sido escavada a nave, pelo que a água enchia agora novamente o espaço, tal como acontecia antes de ser abandonado pelas freiras.


Na foto de cima, podemos ver que o acesso se passou a fazer por uma janela, devido à porta ter regressado à sua configuração ocular original. Como o restauro do século XXI mexeu pouco na igreja propriamente dita, a janela nunca foi reconstruída, apesar de já não ser usada como entrada.




No entanto, em 1972 a igreja encontrava-se novamente coberta de vegetação.


Comprado pelo Estado em 1976, o edifício apenas saiu do esquecimento e do seu estado agónico quando, em 1989, o Instituto Português do Património Cultural (IPPC) lançou um concurso de ideias destinado à “Valorização da Igreja do Mosteiro de Santa Clara-a- -Velha de Coimbra”. O concurso foi ganho pelos arquitectos João Rapagão e César Fernandes, com base num programa elaborado pelo IPPAR.  A água, elemento dominante, permaneceria envolvendo o monumento. Devido à sua transparência tornar-se-ia possível visionar os níveis inferiores. A execução deste projecto não se veio a concretizar, face ao desenvolvimento da operação arqueológica entretanto desencadeada, a qual ao permitir a exumação de importantes testemunhos relativos à história deste conjunto monástico se tornou incompatível, no domínio da investigação e da preservação, com a empreitada prevista. 

E assim, a 18 de abril de 2009, quando o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha voltou a abrir portas, tinha o primitivo claustro para mostrar.









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