Tem havido bastante polémica devido ao restauro da
torre do castelo de Matrera, em Espanha.
Esta foi a intervenção:
Devo dizer que isto me deixa muito aborrecido. Isto porque não se ouviam estas vozes de protesto durante o processo de derrocada da torre, que ficou reduzida a pouco mais que parede e meia:
Só as ouvimos agora, quando houve finalmente uma intervenção. Sem ela, o pouco que resta da torre duraria poucos mais meses.
Este fenómeno altamente nocivo de mistificação do património é transversal a todos os monumentos - tratamo-los como falsos ídolos, apesar de tantas vezes serem resultado de intervenções recentes (como os restauros dos castelos portugueses entre 1938 e 1942), para que possamos mostrar uma identidade artificialmente construída no lugar da que não temos.
Em Peniche aconteceu um caso parecido há dois anos, quando a autarquia decidiu pintar a fachada da Fortaleza. Trata-se de um edifício que era originalmente pintado, com a mesma cor e a mesma técnica da que lhe foi restituída.
A câmara de Peniche participou passivamente em muitas destruições nos últimos anos, ao aprovar projetos que danificaram irreversivelmente monumentos da cidade (por exemplo, Convento do Bom Jesus e Linha dos Moinhos). Ninguém apontou lhe o dedo nessas ocasiões. Apenas quando teve uma atitude positiva no restauro de um monumento.
O que fez chegar os nossos monumentos até nós não foi o sentido altruísta em os salvaguardar, foi a utilidade que tinham para a geração presente. Os nossos castelos foram construídos enquanto equipamentos de defesa passiva, e posteriormente transformados em centros de poder. Quando a defesa física do território foi alcançada deixaram de fazer sentido e a maioria foi abandonada ou demolida para aproveitamento do material de construção. Foram recuperados em meados do século passado porque fazia parte da ideologia do Estado Novo dar-nos a sensação de uma falsa autonomia que servisse de justificação para a nossa crescente alienação dos outros povos.
Ao procurarmos egoístamente e insensivelmente preservar a ruína dos nossos monumentos, independemente do risco que isso apresenta para a sua conservação, estamos a apoderar-nos de algo que não é só nosso, é produto das gerações passadas e pertence às futuras. São elas a nossa verdadeira identidade.