Vou iniciar uma rubrica chamada Correio dos Leitores, onde exponho uma criteriosa seleção das centenas de missivas que recebo diariamente no meu correio.
"Eng., sabe qual é o paradeiro da antiga cidade de Collippo? É que já dei cabo das costas a tentar encontrá-la e até agora só descobri um tomo da Enciclopédia Luso-Brasileira, que, por muito lúdico que seja, deduzo não estar relacionado com a imponente povoação romana."
A resposta a esta pergunta não é óbvia, e exige uma leitura atenta do artigo "Collipo: análise dos espaços públicos", de João Pedro Bernardes, e presente no livro "Cidade e foro na Lusitânia Romana".
Na descrição pliniana dos oppida da faixa
litoral portuguesa aparece Collippo, como um povoado
túrdulo, a sul de Conimbriga. O radical –ippo do
topónimo latino parece confirmar este povoado
como um dos turdulorum oppida fora da sua área
natural (villar, 1999) e que poderá ter as suas origens
aquando da migração de populações provocada
pela pressão cartaginesa sobre o litoral da Andaluzia,
sobretudo a partir de meados do século III
a.C. após a derrota na primeira guerra púnica.
Situada entre as cidades de Conimbriga e
Eburobrittium, na faixa central atlântica portuguesa,
o antigo povoado túrdulo passará no período
imperial romano a capital de civitas, conforme é
demonstrado por várias inscrições (CIL II, 339,
340, 353; CIL IIs, 5232; CIL VI, 16100; Bernardes,
2007, nº 26, 27).
Ficava localizada numa colina entre os
actuais concelhos de Leiria e Batalha, no sítio de S.
Sebastião do Freixo, onde têm sido recolhidos desde
o século XIX variados elementos que atestam ter
sido ali que teve assento a cidade, de acordo com
a tradição e as ruínas ainda visíveis no século XIX
(Leal, 1874, p. 70).
(...)
No século XII o espaço já é conhecido por
Palácio de Randulfo, tendo-se perdido definitivamente
o nome Collippo, apesar da tradição dos
séculos seguintes se referirem às ruínas então aí
visíveis como os vestígios de uma cidade antiga
que teve ali assento. Todavia, o antropónimo Randulfo,
de conotação germânica, não deixa dúvidas
quanto ao facto do sítio ter tido uma continuidade
de ocupação ainda que pouco significativa ao ponto
de ter perdido qualquer estatuto de centralidade.
(...)
Todavia, ainda no século XIX, Pinho Leal
(1874, p. 70) dá conta no local de alicerces antigos
e, em 1909, Tavares Proença Júnior, ao referir-se
nos seus manuscritos, guardados no museu de
Castelo Branco, a uma inscrição funerária que teria
comprado, acrescenta que teria aparecido ao retirarem
pedra das ruínas das edificações do oppidum.
Como facilmente se depreende, há cerca de
cem anos ainda eram visíveis os alicerces de muitos
edifícios romanos que continuavam a ser delapidados.
A intensificação dos trabalhos agrícolas a
par da progressiva introdução de meios mecânicos,
passarão, a partir de agora, a arrancar e arrasar as
ruínas soterradas. A expressão de um velho dos anos setenta, natural da povoação vizinha dos
Andreus, que dizia na sua juventude haver ali “uma
estrumeira de cantarias”, referindo-se aos campos
em redor de S. Sebastião (Santos, 1971), é assaz
elucidativa. De acordo com informações obtidas,
era frequente, há cerca de cinquenta anos, ver
amontoados de tijolos e cantarias retirados dos
campos após as lavras. Muitos desses entulhos
chegaram mesmo a ser levados pelo exército que
vinha para aqui fazer tiro de artilharia. A área correspondente
ao forum e termas, estava, já por essa
altura, extremamente destruída, conforme viria a
ser confirmado pelas consecutivas campanhas de
escavações ali realizadas nos anos 60 e em 1975.
Até meados do século, porém, os níveis de destruição do ponto mais alto da colina e dos terrenos que
daqui se estendiam até à Quinta, ainda eram relativos.
A ocupação desta área por um denso carvalhal
deveria ter conservado muitas das ruínas soterradas.
A venda da quinta de S. Sebastião aos ascendentes
dos actuais proprietários irá, contudo, ditar
a destruição desta zona de ruínas. O carvalhal é
substituído por um eucaliptal, devendo o arranque
do bosque de carvalhos e consequente arroteamento
para o plantio de eucaliptos ter provocado
destruições significativas. De igual modo, a exploração de saibros e areias na parte mais alta do monte
arrasou por completo as estruturas ainda ali existentes,
tendo este morro, de acordo com informações recolhidas, sido rebaixado cerca de 2 / 3
metros. Já nos anos sessenta, o arranque de parte
dos eucaliptos e o plantio de vinha viria a destruir
mais estruturas, tendo havido necessidade de
recorrer a tiros de pólvora para rebentar com alguns
elementos mais pesados (Brandão, 1972, p. 57).
Os anos setenta e inícios de oitenta acabariam por
ver a destruição do pouco que ainda existia. Na
vertente norte daquele morro, o rompimento da terra
em profundidade por meio de uma bulldozer
para plantio de vinha teria destruído os poucos
muros ainda existentes, tal como os postos a descoberto
nas escavações ali efectuadas, e, eventualmente,
o que restaria das termas. Do lado sul do
morro, entre este e a quinta, o trabalhar de uma
bulldozer durante um mês revolveu as terras até ao
solo virgem tendo destruído, segundo nos informaram,
grandes quantidades de muros soterrados.
Perante tanta acção destruidora não é difícil compreender
que mesmo uma velha cidade de pedra
possa desaparecer quase por completo!
E assim está explicado o paradeiro de Collipo. Escusamo-nos, portanto, a gastar gasolina nesta viagem.
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